Currais de Terra
Os currais de terra consistem em estruturas circulares demarcadas no solo, comumente identificadas nas regiões sul e sudeste do Rio Grande do Sul, em municípios como Pelotas, Capão do Leão, Cerrito, Pedro Osório, Candiota, Bagé, Pedras Altas e Hulha Negra, com registros ainda, no como Uruguai e na Argentina. Diante da ausência de pesquisas arqueológicas aprofundadas sobre essa tipologia de sítio, levantamos a hipótese de que eram usadas como alternativa para encerrar o gado para o manejo em locais com pouca disponibilidade de matérias-primas como as rochas basálticas, ou ainda, podiam servir como fundação para a estruturas perecíveis como galhos de árvore, bambus ou outros elementos que não resistiram ao tempo, como as pedras e as palmeiras (a exemplo dos currais observados em Santa Vitória do Palmar e Uruguai).
Fabrício Vicroski (2019, p. 71) ressalta que estas estruturas são componentes da paisagem cultural do Pampa: “A despeito de não constituir necessariamente um elemento raro na paisagem do pampa, a existência dos currais ou mangueiras de terra é uma informação geralmente ignorada, ou desconhecida pela população em geral. Uma das causas desse desconhecimento é decorrente do fato de que muitos currais são praticamente imperceptíveis ao nível do solo.”
A presença de estruturas circulares em outras regiões do estado está geralmente associada às ocupações pré-coloniais, têm-se exemplos dos danceiros atribuídos aos grupos Jê meridionais, que ocuparam as terras altas do Rio Grande do Sul, sambaquis ligados a costa central e norte e cerritos, mais presentes no litoral sul do estado. Para a região da campanha, no entanto, essas estruturas circulares são geralmente associadas às lidas campeiras e a criação de gado (VICROSKI, 2019). A respeito de suas prováveis técnicas de construção, Vicroski (2019) aponta três possibilidades: 1) escavação de valas no solo gerando um estigma negativo na superfície; 2) estruturação da terra em forma circular, de modo a construir montículos, gerando um estigma positivo na superfície e 3) mescla das duas técnicas anteriores, onde à terra escavada para elaboração das valas seria colocada na porção externa do curral, resultando assim tanto em marcas positivas quanto negativas (VICROSKI, 2019, p. 72).
O pesquisador Bruno Farias (2009) descreve a elaboração das estruturas apenas com a formação de estigmas unicamente positivos, realizada através do transporte de torrões de terra de um lugar diferente ao de elaboração do cercado onde, por fim, eram sobrepostos na superfície de maneira circular resultando em um montículo ou a taipa de pilão. Esses currais tinham por função impedir a dispersão do gado trazido pelos tropeiros para a região “Segundo os moradores essas ‘antigas mangueiras feitas de torrões de terra pelos escravos’ teriam sido construídas nos lugares por onde passavam as tropas que vinham do interior do estado, e serviam justamente para que o gado não se dispersasse durante a noite, enquanto os tropeiros que os conduziam paravam para descansar”.
As imagens a seguir apresentam alguns currais de terra registrados entre os municípios de Bagé e Dom Pedrito, identificados durante os estudos de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Arqueológico na Área de LT 230 KV Dom Pedrito – Bagé 2. Conforme apontam os pesquisadores, essas estruturas são imperceptíveis ao nível do solo, mas podem facilmente ser identificadas a partir das imagens de satélite e registradas com imagens aéreas captadas por Drone.
Essas estruturas de terra ainda não foram alvo de estudos interventivos sistemáticos, portanto, não podemos aferir sobre o registro arqueológico associado à sua construção. Dessa forma, compreendemos que escavações pontuais e sistemáticas poderão confirmar ou contrapor algumas hipóteses como, por exemplo, se possuíam outros elementos associados para garantir o cercamento do gado, ou ainda, marcas e vestígios arqueológicos que demonstrem as intencionalidades de seus usos.